sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Liberdade de informação e Midiatização da Política.



Pedro Benedito Maciel Neto
As recentes manifestações do Presidente Lula acerca da liberdade de imprensa, pela qual ele lutou muito mais que muitos jornalistas e empresários da mídia corporativa, estão sendo objeto de oportunista interpretação e utilização por partidos e candidatos oposicionistas e merece reflexão.
Não é razoável imaginar que um democrata, com belíssima trajetória pessoal e política, como o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja, por qualquer viés, contrário à liberdade de expressão, à liberdade de informação e à liberdade de imprensa, quem afirma isso é, no mínimo, um incauto.
A Liberdade de imprensa é um dos princípios pelos quais um Estado democrático, é através dela que se assegura a liberdade de expressão aos cidadãos e respectivas associações, principalmente no que diz respeito a quaisquer publicações que estes possam pôr a circular, por isso ela deve ser sempre preservada.
Mas devemos analisar o tema da liberdade de imprensa com responsabilidade, nessa linha é oportuno citar o constitucionalista José Afonso da Silva que apresenta um diferente ponto de vista no tocante à liberdade de informação, segundo ele, "A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista...” [1].
Segundo o prestigiado constitucionalista a liberdade dos donos das empresas jornalísticas “... é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial.”.
E sendo a liberdade dos donos das empresas jornalísticas é apenas reflexa, por isso em havendo incorreção nas informações ou imparcialidade nelas não há que se falar liberdade, pois seria um absurdo chamarmos de liberdade o abuso de um direito e o desprezo ao dever de informar.
Mas mesmo diante de abusos não é adequado imaginarmos qualquer forma de censura prévia a qualquer veículo ou profissional, o papel de punir os excessos e abusos é do Poder Judiciário. O que o Presidente Lula fez foi exercer seu direito à liberdade de expressão, de opinião, de chamar atenção para a possibilidade do abuso, para a possibilidade de incorreção de informações, para a possível parcialidade de alguns veículos de comunicação na narrativa de alguns fatos, em momento algum ele negou a liberdade de imprensa, a liberdade de informação ou a liberdade de expressão.
E nessa linha talvez Leonardo Boff tenha tido a lucidez de sintetizar onde reside o núcleo do conflito quando afirmou que “No entrevero entre Lula e a mídia comercial vejo que se trata de uma questão de classe: Lula deve ser só operário, nunca presidente, pensam. [2], ou seja, é possível que os donos das empresas jornalísticas, em alguma medida, tenham optado pela candidatura de José Serra, que o tempo transformou num liberal e conservador (o que talvez seja mais adequado aos seus interesses corporativos), ao invés de manterem-se fiel à informação correta e imparcial.
Penso que caberia às grandes empresas jornalísticas ainda o direito de assumir publicamente a candidatura de José Serra, como fez honestamente a CARTA CAPITAL, mas a opção foi pela dissimulação, pela apresentação de posicionamentos e opiniões como se fosse informações, o que chega a imoral.
Se por um lado os cidadãos têm o direito à informação, o direito de serem informados, os jornalistas tem o direito e o dever de acesso às fontes de informação, a de obtê-la, cabendo ao dono da empresa, assim como aos jornalistas, o direito fundamental de exercer sua atividade, sua missão (a qual se aproxima muito do dever cidadão de munus público) com honestidade.
Os veículos de comunicação eles têm o direito/dever de informar a sociedade acerca dos acontecimentos e idéias, mas sobre esse direito/dever incide o dever de informar à coletividade de tais acontecimentos e idéias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o sentido original, do contrário, se terá não informação, mas deformação.
Ou, noutras palavras “a liberdade de informação da imprensa traz consigo os deveres correlatos de responsabilidade e ética e de informar o público de modo objetivo e sem alterar a verdade. Qualquer violação a esses deveres torna abusivo o exercício da atividade jornalística” [3], foi isso que o Presidente Lula disse exatamente isso.
Além disso, o dever constitucional dos veículos de comunicação de bem informar implica a divulgação de fatos de interesse público, que envolvam a sociedade, que lhe sejam úteis e tratem do funcionamento das instituições fundamentais, sem deformações, sem edições que transformam a “informação” em “opinião”, ou que deixem claro que se trata da posição do veículo, de sua interpretação e compreensão. Acredito que o abuso esteja em não dizer com honestidade o que é opinião e o que é informação.
Não tenho nenhuma dúvida que todos os assuntos relacionados ao funcionamento das instituições políticas gozam de certa presunção de interesse público a nortear-lhes a existência, mas é necessário ao jornalista manter-se leal aos princípios que fundamentam o seu mister, especialmente quando apresentam informações com forte carga de critica aos atos dos agentes públicos, pois os atos dos agentes públicos também gozam da presunção de estarem inspirados pelo interesse público e esse aspecto sempre é esquecido lamentavelmente.
A presunção de que os atos dos agentes públicos observam o interesse público decorre do disposto no artigo 37 da Constituição Federal, o qual consagrou princípios como a impessoalidade, moralidade e legalidade na conduta dos agentes públicos, nessa linha de raciocínio correta a afirmação de que “A liberdade de informação atende ao interesse público de fiscalizar os atos dos agentes governamentais."
Durante as eleições de 2008, na condição de advogado, tive a oportunidade de numa defesa em processo eleitoral denunciar a aparente utilização do Poder Judiciário e midiatização do fato para fins político-eleitorais, essa prática não é novidade.

Como isso acontece? Através da judicialização de fatos políticos e de sua midiatização quase que imediata e ocorre quando as relações entre o sistema judicial e o sistema político atravessam um momento de tensão ocorre a denominada judicialização da política (há judicialização da política sempre que os tribunais, no desempenho normal das suas funções, afetam de modo significativo as condições da ação política), no Brasil a judicialização é grandemente de responsabilidade da classe política que se mostrou por muito tempo incompetente.
Penso que o excesso da judicialização conduz à politização da justiça, que é muito pior que a judicialização, pois como ensina o Sociólogo Português Boaventura Santos[5], pode comprometer significativamente a harmonia entre os Poderes e a própria democracia e o quadro se agrava quando a mídia não se mantém altiva e ética.
Esse fato, segundo o Professor Boaventura, pode ocorrer por duas vias principais: uma, de baixa intensidade, quando membros isolados da classe política são investigadores e eventualmente julgados por atividades criminosas que podem ter ou não a ver com o poder ou a função que a sua posição social destacada lhes confere, o que é, na minha maneira de ver, positivo.
Mas há outra espécie de judicialização, a de alta intensidade, que ocorre quando parte da classe política, não se conformando ou não podendo desenvolver a luta pelo poder pelos mecanismos habituais do sistema político democrático, transfere para os tribunais os seus conflitos internos através de denúncias, nem sempre consistentes, seguidas da espetacularização o fato através da sua midiatização.
Isso na prática representa a renuncia ao debate democrático e uma opção elitista, pois desloca para o Poder Judiciário e para a mídia falsos conflitos e falsas crises, com um único objetivo: a manipulação da opinião pública com propósitos eleitorais. 

Afinal não se pode desconsiderar a repercussão político-eleitoral que qualquer fato passa a ter a partir do momento em que uma simples denuncia é divulgada pela imprensa, antes mesmo de ser apreciado pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.  
O objetivo dessa tática antidemocrática (renunciar ao debate democrático e judicializar e midiatizar todos os fatos) é obter, através da mídia, a exposição negativa do adversário, qualquer que seja o desenlace, para enfraquecê-lo ou mesmo liquidá-lo politicamente, algo no mínimo questionável sob o ponto de vista ético e democrático. 
O Professor Boaventura Santos afirma que no momento em que ocorre judicialização de alta intensidade a classe política, ou parte dela, renuncia ao debate democrático e transforma a luta política em luta judicial e tudo fica muito pior quando se visualiza prováveis joint ventures entre membros da classe política, e de empresas jornalísticas.
Penso que não é fácil saber o reflexo do impacto da judicialização e midiatização de fatos políticos (que passam a ser vistos como fatos judiciais) no sistema político, no sistema judicial ou na sociedade, mas seria possível afirmar que isso “... tende a provocar convulsões sérias no sistema político” [6] e na própria sociedade.
A midiatização da política busca transportar fatos da plácida obscuridade dos processos judiciais para a trepidante ribalta midiática dos dramas espetaculares. É assim que se constrói o debate democrático?
E essa transformação é problemática devido às diferenças entre a lógica da ação midiática, dominada pela instantaneidade, e a lógica da ação judicial, dominada por tempos processuais lentos. É certo que tanto a ação judicial como a ação midiática partilham o gosto pelas dicotomias drásticas entre ganhadores e perdedores, mas enquanto o primeiro exige prolongados procedimentos de contraditório e provas convincentes, a segunda dispensa tais exigências. Em face disto, quando o conflito entre o judicial e o político ocorre na mídia, estes, longe de ser um veículo neutro, são um fator autônomo e importante do conflito capazes de influenciar a vontade popular.


Pedro Benedito Maciel Neto, 46, advogado e Professor Universitário; Diretor de Planejamento em Campinas (90/91); Secretário Municipal de Habitação, Presidente da COHAB S.A. e Presidente da Fundação Municipal José Pedro de Oliveira em Campinas (97/98) e Secretário Municipal de Cultura em Sumaré (2003/2005); Autor, dentre outros, de “REFLEXÕES SOBRE O ESTUDO DO DIREITO”, Ed. Komedi, 2007 / www.macielneto.adv.br / www.pedromacielneto.blogspot.com


Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom!