segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O PERIGO DA MITIFICAÇÃO DO PROCESSO ELEITORAL E DAS CANDIDATURAS:

A última campanha vai ser lembrada como aquela na qual a Internet passou a ter uma influência muito maior que o de ser espaço para simples propaganda, seguindo um modelo ressaltado na eleição de Obama em 2008, as Mídias Sociais estiveram presentes, acompanhando, desconstruindo versões e marcando espaços entre apoiadores das principais candidaturas, especialmente a Presidência da República.

Por outro lado, em caminho menos valoroso, as demandas de questões e falsas questões morais, religiosas e multiplas versões de fatos, acabaram por apresentar um dado preocupante nos caminhos da democracia brasileira: a mitificação das candidaturas, a supervalorização do ato de votar (aqui considerada a obrigação legal de votar e o direito de voto) e um profundo descompasso entre a realidade política e administrativa atual e as repercussões de virtude e desejos de cada candidatura e de cada grupo no mesmo processo.

Sem sombra de dúvida a participação política é importante. Porém a participação meramente eleitoral é apenas parte deste processo, o que nos leva a tentar entender as exacerbadas discussões de "fim de mundo" apresentadas nas eleições, como se ela fosse um fim em si mesma e a última cruzada ou coisa similar...

A questão está colocada com foco adulterado e, embora não por acaso, bastante equivocado.

O simples fato de se destacar as ações da política, das demais ações humanas, criando-se expectativas espetaculares, hercúleas, quase mitológicas para os pretendentes aos mandatos, conduz o senso comum à frustração. Ou o sujeito se transforma no mito (em geral morrendo no percurso, modo mais fácil de virar mito...) ou a frustração das pessoas se sedimenta e com ela a certeza de que o problema, então, 'é da política' ou ' dos políticos'.

Em favor do senso comum da busca pelo 'Salvador da Pátria' voga uma série de lendas criadas para dar a estes seres (candidatos ou autoridades em geral) um poder de mudar o curso da história, em geral sozinhos e de peito aberto.

Este esboço lendário e desfocado vem sendo delineado historicamente, da nobreza nas monarquias, mantendo-se ainda na liturgia dos legislativos (alguns destacadamente, como a  Câmara dos Comuns na Inglaterra, por exemplo) e, em geral, em nossos Tribunais nas diversas esferas de Jutiça, federal e estaduais (com suas TOGAS e um afastamento, hoje menor, mas que lembra o distanciamento dos 'escolhidos' pela Divindade).

Em primeiro lugar, as pessoas precisam saber que algumas ações, focando no processo eleitoral, não têm exatamente a dimensão que a percepção rotineira nos dá delas. Dentre essas ações destaco primeiramente o VOTO, cujo valor e representação são exacerbados no geral e em especial nas propagandas, tanto institucionais como partidárias.

O voto na verdade padece de limitações tão evidentes que parecem passar ao largo dos mais animados pelo rápido  'exercício cívico'. Em primeiro lugar, o mito principal: O Voto permite que o eleitor voto na melhor pessoa, aquele de sua preferência para o exercício do mandato.

Essa afirmação NÃO é verdadeira! O eleitor não pode escolher a melhor pessoa, ele pode escolher o candidato de sua preferência, dentre aqueles escolhidos pelos partidos políticos.

É uma obviedade mas que deve ser ressaltada, na desconstrução da mitificação de termos e contextos nas eleições. Mas repetir o óbvio é necessário uma vez que em nosso país não são permitidas candidaturas 'avulsas' ou 'independentes', como em outras democracias atuais.

Ora, é sabido que primeiramente os partidos escolhem dentre seus filiados (requisito de elegibilidade) os candidatos, para aí as pessoas como um todo, no dia da eleição, serem chamadas para escolherem seus preferidos. Daí o mito de que o voto em si é o processo de escolha, exercício de cidadania, é na verdade uma simbologia. Cujo objetivo aliás é legitimar o líder, o eleito, o escolhido.

Assim o voto, mesmo o voto majoritário, está sujeito a uma pré-escolha que NÃO está nas mãos dos eleitores comuns, mas, em tese, está somente nas mãos dos 'eleitores-plus' ou seja dos filiados a partidos políticos. Digo em tese por que nem isso garante participação, as escolhas, também dentro dos partidos, não estão amarradas a nenhum sistema de prévias, o que pode sempre resultar - e resulta - de caciquismos e escolhas em "Petit Comité".

Obviamente como um mecanismo, não defendo a extinção do voto, apenas seu real posicionamento enquanto valor e sua relatividade enquanto 'exercício de cidadania'. Voto é exercício de direito político, para delegação de mandatos em função do que será exercido diretamente o poder.

Exercer a cidadania é muito mais: por exemplo,  é participar efetivamente da vida política do país, de forma ampla, em entidades, sindicatos, conselhos populares, emitindo opinião e pressionndo os parlamentares de forma legítima (isso para apontar o básico).

Tal desconstrução lógica (exercício de cidadania, participação, etc...) não ocasionam uma visão distorcida e superdimensionada apenas do voto, cria-se a impressão de que a escolha se dá de uma forma quase "sagrada". Ou seja os destinos de uma cidade, um estado ou país, estão nas mãos deste 'ente' onipresente que permitirá que todos caminhemos orientados pelo nosso líder.

Aí a estruturação dos signos da participação eleitoral nos conduzem para desejar que, não uma pessoa, mas um 'predestinado' nos conduza como resultado formal do processo eleitoral.

Essa dinâmica de pensamento e valoração superdimensionada levam a estados de frustração, quando o resultado é negativo (as famosas frases se o fulano perder mudo de país), assim como da relativização do voto do outro ('como eles podem não perceber que o MELHOR era 'x' '). Daí para os debates virarem cruzadas é um passo pequeno.

A tal frustração do derrotado, embora comum, está longe de ser aquela que leva ao pior estado de ânimo. A pior delas é a "ressaca" daqueles que votaram no vencedor, esperando ter escolhido o Messias. Exemplo vivo e recente as duas últimas eleições no Estados Unidos (2008 e 2010).

A carga de frustração com a falta de resolução de problemas resultou na punição do Escolhido, principalmente por ausência do eleitorado às urnas (lá o voto é facultativo). Mas, o  pior: a maioria dos americanos sabem que a crise herdada pelo Presidente Obama é uma crise sem precedentes na história do pós-guerra, em todo o mundo desenvolvido. Ainda assim as expectativas criadas eram de tal natureza que o 'Escolhido' tinha que ser punido, pois não colocou seu povo em um caminho protegido, como de certo as diversas formas de propaganda, não sem querer, fizeram muitos acreditarem ser possível.

Sem nenhum receio é preciso reafirmar, entretanto, que boa parte dos que se deixam nutrir pelo desânimo e frustração, o fazem por pura falta de objetividade, ou por excesso de interesse pessoal, em sua escolha. Pura falta de direcionamento nos reais motivos pelos quais se deduz que a opção 'x' é melhor que a opção 'y'.

Assim a escolha entre o BEM  e o MAL, bem como entre o CERTO  e o ERRADO, está longe de ser lúcida e real; obviamente este sentimento é explorado na apresentação do 'PRODUTO', mas serve de forma NULA depois que acaba o processo de escolha, o que leva àquela sensação de que nada do que se fala em campanha deve ser levado a serio, outro equívoco claro.

Não escolhemos líderes para nos guiar em desertos e caminhos desconhecidos. Os caminhos são conhecidos, assim como a limitação do real poder do escolhido (em cada esfera muito pouco está sujeito à escolha livre, sendo objeto de vinculação de receita e conteúdos programáticos relativamente estreitos), sem o que estaríamos falando de outro que não um ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, sujeito aos brilhos deste ou daquele líder.

Os aspectos da escolha podem ser emblemáticos. Simbólicos. Um Líder Operário. Uma mulher. Netos de grandes líderes do passado (sim são dois, ao menos...). Definir se quero um político de carreira ou escolher um técnico competente, sem experiência eleitoral. Tudo isso resumem modos de apresentar a escolha e sua simbologia própria.

No caso em atual pesaram as condições econômicas internas e a estabilidade. Pesou o carisma e a popularidade do Presidente Lula, assim como pesou a capacidade de entender qual caminho será traçado em um governo de continuação; o que evidentemente não ficou claro na proposta dos opositores, cuja alternativa não se apresentou visível aos olhos do eleitorado.

Não se deve nutrir expectativas fantasiosas com o voto, assim como não o faço com as pessoas. Nem pretender que a escolha seja como um voto 'na capela sistina' guiado por um Poder Maior... Infelizmente não é facilitado assim. A responsabilidade é individual e assim deve ser encarada, bem como as dificuldades que se apresentarão ao eleito.

O caminho traçado até o momento leva ao esgotamento do modelo voto/participação e a um perigoso jogo de disputas por valores falsos em nossa sociedade, que explora a decepção e o alheamento do eleitorado para forjar tendências e mudanças de rumo.

Debates morais, criminais  e religiosos podem antagonizar forças que não parem de se digladiar no fechamento das urnas. Na verdade o ressaltado esforço para escolha de um 'SALVADOR' na eleição, é apenas uma desculpa para dar vazão a sentimentos nem sempre tão nobres, na maioria das vezes obscuros e inconfessáveis.

Explorar as insatisfações é um caminho tão fácil quanto perigoso nesse sentido!

Uma das muitas vacinas para tal jogo perigoso é, aproveitando o conhecimento acumulado na formatação da votação eletrônica, gradualmente aumentando a participação direta da sociedade nas escolhas de maior envergadura; criando formas de particpação e de orientação mais objetivas, nas campanhas plebiscitárias e referendos , como um meio de que certos debates de fundo, valores religiosos e morais, não fiquem voltando a lume em cada processo eleitoral e de forma descabida e fora de contexto. Principalmente como joguete de marqueteiros e dos aliados de ocasião (estes com projetos de prazo longo, invisíveis ao que creem no voto em si  como exercício acabado de cidadania).

Assim votar em pessoas; exigir resultados; acompanhar e buscar fiscalizar, ao largo de simpatias é saudável e nos faz imunes à doença que afasta a participação e leva ao descrédito. Mas fomentar a participação mais direta, esclarecer os pontos das polêmicas e sempre, absolutamente sempre fazer a perguntinha basica em meio a uma polêmica: "aquem interessa" ... pois em um mundo em que o mercado verga até mesmo os países mais poderosos, sempre haverá um interessado maior, aqui ou ali...

SEBASTIÃO ANTONIO DE MORAIS FILHO 
ADVOGADO E ESPECILISTA EM SAÚDE PÚBLICA

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